Água fresca... para ideias com sede...

domingo, março 23

UMA PALAVRA

Estava eu no rio quando uma palavra boiou perto da sombra de uma árvore. Era uma palavra longínqua e tinha um cheiro de coisa que estava estragada e era viscosa e pesava. Era uma palavra que pelo jeito nada entendia de bichos porque por onde passava ao seu redor era apenas água que se sujava e pronto. De todas as palavras que vi e de todas as pronúncias que pulavam no vilarejo essa palavra eu poderia dizer que era ruim de falar e tinha um semblante ambicioso como se suas letras conspirassem macular o dicionário. Talvez ela tivesse certeza de que um dia perambularia num rio e se espalharia pelos ares e que não seria entendida por um pequeno e roto pescador e sendo abusada e propagativa faria com que fosse pronunciada em todos os lugares. Como quem quer nada e como alguém que sempre respeitou as poucas palavras que conhece eu a segurei pelos lados e tentei clarear suas sílabas oleosas de substantivo. Mas nesse momento com espanto percebi que ela não ficaria limpa e sim contaminaria os panos da minha canoa e os corpos dos meus peixes sadios de natureza. Sem saber o que fazer vi que ela escapulia de novo pelo rio e logo outras do mesmo álbum de sinônimos vieram acompanhá-la. Agora de cada cinco palavras ditas nos arredores e nos açudes três são 'poluição' e as outras duas pelo visto e sentido nem multiplicadas por mil acabarão com ela não.

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