ACIDENTE RADIOATIVO PELA PRIMEIRA VEZ NO PALCO
Desenrolou-se neste mês de julho no palco do Teatro Goiânia Ouro, no centro de Goiânia, Goiás, Brasil, uma peça teatral que relembra um dos episódios mais duros e tristes da existência dessa jovem capital brasileira: o acidente radioativo ocorrido em setembro de 1.987, após a abertura de uma cápsula de Césio 137 por três inocentes e desavisados catadores de papel.
Denominado de Azul Esgotado, pois azul era o pó brilhante extraído da cápsula, o espetáculo contou com três jovens talentos no palco e a mão sensível de uma diretora teatral, Angélica Braga, discípula do irreverente e inventivo Hugo Rodas, diretor uruguaio radicado em Brasília.
Vejamos o que disse a repórter Cida Almeida, que cobriu o acidente na época do acontecido e que acompanhou o processo criativo, cênico e escrito do espetáculo, inclusive é dela a poesia declamada ao fundo durante a performance do gracioso trio: “Coincidentemente, quando se completa 20 anos do acidente, chega aos palcos pela primeira um recorte dessa tragédia, com muita, mas muita sensibilidade no olhar. Durante o mês de julho, Azul Esgotado, modestamente caracterizado como “ensaio coreográfico”, foi apresentado no Teatro Goiânia Ouro, às 20 horas. Mas o espetáculo, pela qualidade e força cênica, deve rodar os principais circuitos culturais do Brasil. Já passou por audições em Santa Catarina e São Paulo, onde impressionou e aguçou curiosidades, principalmente porque a maioria do público nunca ouviu falar no acidente radioativo de Goiânia”. E ela continua: “No princípio era a cor. E a cor era azul. Azul! Azul desejado, reverenciado, procurado à exaustão, como metáfora da irreal e fugaz felicidade. Azul desbotado. Azul das fases geniais dos mestres da pintura. Que sonho as bailarinas azuis de Degas! Azul néon das ruas, de jeans, índigo blue. Azul de tudo bem, tudo azul. Azul da cor do céu. Azul da cor do mar. Azul pertinho e azul de longe, muito longe, anos luz de azul. Azul dos olhos de Sinatra e da esplendorosa visão de Neil Armstrong, que pisou na lua e balbuciou: a Terra é azul. Azul de sonho, de luz de palco, de momentos de combustão na chama. Azul de césio-137, azul de ciência encapsulada, azul de letal segredo violado... Azul em pó, dançando de mãos em mãos numa perversa ciranda radioativa no quintal”.
Num jogo de luzes embasado no azul, um azul que em momento algum deixa de denunciar a tristeza progressiva do trágico resultado do episódio, vemos flutuar pelo palco do teatro a bailarina Fernanda Costa, de apenas 14 anos (sobrinha e afilhada deste que vos escreve), e os atores Rodrigo Cunha e Vanessa Ruiz. A voz de Carolina Braga, jovem cantora lírica de apenas 16 anos, e que recebeu um convite para cantar no Japão, dá o tom angelical ao fim do último ato, com uma ária que nos transporta, entontecidos, às alturas.
Denominado de Azul Esgotado, pois azul era o pó brilhante extraído da cápsula, o espetáculo contou com três jovens talentos no palco e a mão sensível de uma diretora teatral, Angélica Braga, discípula do irreverente e inventivo Hugo Rodas, diretor uruguaio radicado em Brasília.
Vejamos o que disse a repórter Cida Almeida, que cobriu o acidente na época do acontecido e que acompanhou o processo criativo, cênico e escrito do espetáculo, inclusive é dela a poesia declamada ao fundo durante a performance do gracioso trio: “Coincidentemente, quando se completa 20 anos do acidente, chega aos palcos pela primeira um recorte dessa tragédia, com muita, mas muita sensibilidade no olhar. Durante o mês de julho, Azul Esgotado, modestamente caracterizado como “ensaio coreográfico”, foi apresentado no Teatro Goiânia Ouro, às 20 horas. Mas o espetáculo, pela qualidade e força cênica, deve rodar os principais circuitos culturais do Brasil. Já passou por audições em Santa Catarina e São Paulo, onde impressionou e aguçou curiosidades, principalmente porque a maioria do público nunca ouviu falar no acidente radioativo de Goiânia”. E ela continua: “No princípio era a cor. E a cor era azul. Azul! Azul desejado, reverenciado, procurado à exaustão, como metáfora da irreal e fugaz felicidade. Azul desbotado. Azul das fases geniais dos mestres da pintura. Que sonho as bailarinas azuis de Degas! Azul néon das ruas, de jeans, índigo blue. Azul de tudo bem, tudo azul. Azul da cor do céu. Azul da cor do mar. Azul pertinho e azul de longe, muito longe, anos luz de azul. Azul dos olhos de Sinatra e da esplendorosa visão de Neil Armstrong, que pisou na lua e balbuciou: a Terra é azul. Azul de sonho, de luz de palco, de momentos de combustão na chama. Azul de césio-137, azul de ciência encapsulada, azul de letal segredo violado... Azul em pó, dançando de mãos em mãos numa perversa ciranda radioativa no quintal”.
Num jogo de luzes embasado no azul, um azul que em momento algum deixa de denunciar a tristeza progressiva do trágico resultado do episódio, vemos flutuar pelo palco do teatro a bailarina Fernanda Costa, de apenas 14 anos (sobrinha e afilhada deste que vos escreve), e os atores Rodrigo Cunha e Vanessa Ruiz. A voz de Carolina Braga, jovem cantora lírica de apenas 16 anos, e que recebeu um convite para cantar no Japão, dá o tom angelical ao fim do último ato, com uma ária que nos transporta, entontecidos, às alturas.
A repórter Cida Almeida conta mais: “Azul Esgotado é mais que um ensaio coreográfico, realizado pelo Núcleo de Pesquisa da Escola de Teatro e Dança Vivace. Dança, música, teatro e poesia, linguagens que se entrelaçam para narrar no palco um drama com todos os tons de realismo fantástico, se não fosse de fato real e não tivesse de fato acontecido. Mais que um drama, uma tragédia. O fantástico fica por conta da nossa incredulidade dessa tragédia moderna ter acontecido no nosso quintal. E moderna porque une no mesmo fio o máximo da conquista científica e tecnológica do homem – a fissura do átomo e o uso dos elementos radioativos para a cura do câncer – e o descaso e a ignorância. Essa tragédia narrada em Azul Esgotado é o acidente radioativo de Goiânia, ocorrido em setembro de 1987”.
“Às vésperas de se completar vinte anos do acidente, a história já rendeu livros (precipitados), filme e documentários. Considerado o maior acidente radioativo doméstico da história, a tragédia do Césio 137 fez quatro vítimas fatais (logo após a descoberta do acidente, entre elas a menina Leide das Neves Ferreira, que chegou a ingerir césio, transformando-se numa fonte radioativa viva), centenas de vítimas diretas e outras indiretas. Pior que o rastro de contaminação deixado pelo césio foi a discriminação engatilhada no day after“.
“Vinte anos é tempo suficiente para embalar o esquecimento. Pouco se fala do acidente, que teve um enredo tão difícil de acreditar que nem o mais inventivo autor de ficção científica ousaria imaginá-lo. Catadores de papel furtam parte de um aparelho de radioterapia deixado nos escombros de uma clínica abandonada. A peça é aberta a marretadas em um ferro-velho na região central de Goiânia e a cápsula de césio violada. A pastilha de césio, que emitia uma luz azul brilhante, começa a ser distribuída em pedaços, pequenas pedrinhas, entre vizinhos e amigos curiosos. Tem gente que levou pra casa no bolso da calça. Outros inventaram brincadeiras lúdicas com aquele pó que brilhava na escuridão, como Ivo Alves Ferreira (já falecido), pai da menina Leide das Neves. Os dois espalharam o pó, apagaram as luzes, e sonharam com uma cidadezinha de fantasia brilhando na noite daquele setembro de 1987, tamanho o fascínio da luz azul emitida pelo Césio 137”.
“Acidente do descaso e da ignorância. Descaso porque todas as pessoas e instituições que deveriam zelar pela guarda e segurança daquele aparelho falharam. E acidente da ignorância porque a maioria esmagadora das pessoas desconhecia os perigos da radiação e nem poderiam suspeitá-lo tão perto, ao alcance da mão. É cruel, mas toda tragédia tem lá o seu lado pedagógico. O acidente com o césio gerou centenas de pesquisas sobre os efeitos da radiação em seres humanos com os mais variados graus de exposição, técnicas em processos de descontaminação e de controle de resíduos no ambiente, novas normas de segurança, enfim, mais ciência e tecnologia. E a popularização do símbolo da radiação, aquele alerta de perigo que reconhecemos no trevo alaranjado que ostenta algumas salas de hospitais e laboratórios”.
“Uma tragédia azul - E como uma história assim poderia funcionar no palco? Maestria, unindo a idéia do fascínio azul ao minimalismo de três pessoas no palco. É como se abríssemos uma caixinha de música, de onde saltam o encantamento e a ameaça. Antes, apenas um balé silencioso da menina no mundo da partícula de luz azul, amparada em suas evoluções por dois seres de máscaras, trajando macacões brancos, os mesmos que os homens da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) usaram em Goiânia quando entraram nas áreas contaminadas e logo isoladas com fitas amarelas”.
“O balé é encantador, vertiginoso e trágico. A cena é carregada de simbolismo. A menina dança como se estivesse no espaço, às voltas com dois astronautas ou anjos na UTI. A dança tem o ritmo da respiração. De novo astronauta e de novo respirador artificial de uma Unidade de Terapia Intensiva. E a menina conheceu sim o medo dos vidros, das máscaras e do isolamento. Era uma fonte radioativa viva sob os cuidados de atônitos cientistas e médicos no Hospital Marcílio Dias, no Rio de Janeiro, onde morreu. E, claro, a música, sempre música, diáfano véu conduzindo a cena. E tem a voz de Carolina Braga, uma ária que embrulha a cena com um véu finíssimo de tristeza”.
“E tem também palavra para fazer recordar e acordar a história. Palavra de lembrar, de ressentir, de doer, de se colocar no lugar do outro, de abraçar, de escutar... Palavra de não deixar calar a tragédia humana que, às vezes, pula o muro e vem dançar no nosso quintal”.
Espetáculo: Azul Esgotado
Coreografia: Angélica Braga
Bailarina: Fernanda Costa
Atores Rodrigo Cunha / Vanessa Ruiz
Canto: Carolina Braga
Concepção: Valéria Braga
Poesia: Cida Almeida
Voz gravada: Valéria Braga
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