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quinta-feira, fevereiro 1

O PARAÍSO É BEM BACANA

O futebol é um desporto de paixões e de multidões! É uma verdade de La Palice mas que muitos ainda hoje se esquecem. Mas este desporto apaixonante não tem dado à estampa grandes livros. Em termos literários o que se tem publicado é muito pobre. Mas, na terra do samba e do futebol, surgiu agora um grande livro sobre a matéria. E a mistura do futebol com o terrorismo (económico, de influências, corrupto, mesquinho) pode dar um grande e notável romance.
Em O Paraíso é Bem Bacana, de André Sant'Anna, o terror brota na infância, cruel, na pobreza, cruel, na ignorância, cruel, no Brasil, cruel, no futebol amador, cruel, nos tempos da consciência do próprio fracasso e da fatalidade que nos engole, cruel, no futebol a profissionalizar-se, cruel, na sexualidade transtornada dos tempos da descoberta do corpo, cruel, esse terror que chega ao êxtase da morte entendida como ressureição, está inteiro, retratado, como nunca, neste romance deste excelente escritor brasileiro.
O Paraíso é Bem Bacana parece uma novela de 500 páginas. Na verdade, é um imenso rio que corre na mesma direcção e com um só navegador (afogando-se aos poucos) - Mané dos Anjos, - personagem principal do livro, negro, pobre, sofrendo todas as humilhações imagináveis e inimagináveis. Pai desconhecido, mãe alcoólatra, irmãzinha entregue ao azar do desejo materno de que o corpo da filha renda algum trocado, Mané atravessa a infância, adolescência e juventude esquivando-se da violência física e moral. Fugindo aos jogos sexuais que, na verdade, são estupros subtilmente consentidos e testemunhados por uma gurizada que se orgulha em ser "filha da puta" e morar numa cidade "filha da puta" e destinada a uma existência "filha da puta" até ao final dos seus dias. Mané tinha tudo para ser uma estrela de futebol, do futebol brasileiro, um novo Ronaldinho. Mas o seu passado de miséria volta a apanhá-lo. Este é um romance notável, muito negro, devasso e bem amargo.
Ronaldinhos não são a regra, a regra são os Manés.
André Sant'Anna é um dos escritores mais promissores da sua geração. Nasceu em 1964, em Belo Horizonte. Tocou música e trabalhou como redactor de publicidade, antes de se dedicar à literatura. Além de "
O paraíso é bem bacana", escreveu os romances "Amor" (1998) e "Sexo" (1999) e a antologia "Amor e outras histórias" (2001). Os dois últimos estão publicados em Portugal na editora Cotovia. Desde 1993 que Sant'Anna vive em São Paulo.

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